quarta-feira, abril 16, 2008

RETRANSFORMAFRIKANDO!!!


SÃO PAULO - Multiisso, multiaquilo, multinada, André Abujamra se desdobra com gosto para ser artista no Brasil. Já reconhecido como ator, ele encarou o desafio de dançar com Denise Stoklos, na peça Cantadas, para a qual ele fez a trilha sonora e que segue em cartaz no Rio. Continua se aventurando como músico independente, e a partir do mês que vem leva seu novo disco, Retransformafrikando, debaixo do braço para praças mil. E volta aos cinemas com a trilha de Querô, ofício que já lhe rendeu um currículo de 40 longas-metragens e o apelido de "trilheiro".
Veja entrevista em vídeo

O trilheiro careteiro que diz gostar de viver nos extremos recebeu o Estado durante o Festival Curta Santos, na semana passada. Falou da sua relação com o cinema, do novo disco e, controverso que sempre é, acabou disparando contra o direito autoral, mas a favor da autoria da eterna.

Um diretor te chama para fazer a trilha de um filme. Qual é o primeiro passo?

Bem, no começo da minha carreira eu ficava emocionadíssimo, fazia, ia atrás mesmo que não gostasse fazia o filme. Hoje em dia, leio o roteiro, procuro conhecer o diretor e saber o que ele quer comigo. Eu ainda sou louco para fazer trilha sonora, sempre faço. Mas procuro conhecer o diretor, que é o maestro do filme.

É interferir na obra alheia, não?

É. Um diretor de cinema pega um ator, um diretor de fotografia, diretor de arte. E tem de ser flexível, porque pega várias pessoas talentosas para fazer um filme, que é a união de todas as artes. Se o diretor não for flexível e quiser fazer tudo sozinho, não vai se dar bem. Pode perceber: os melhores diretores são os flexíveis.

Nesse contexto, quanto você vê de autoral no seu trabalho? É muito diferente de um disco-solo seu?

Bem diferente. Você tem de fazer a música para o filme e, em geral, quando você vê um filme e não percebe muito a trilha, mas o filme é muito bonito, essa trilha sonora é a mais bonita. Tem de ser um casamento perfeito. E para o ego é um exercício muito difícil. Você tem de usar a sua arte e capacidade de criação em prol da obra do outro. Mas é uma coisa que gosto muito. Tenho aperfeiçoado, sofrido muito, e "dessofrido" também.

E a qual é a história da primeira trilha que você fez?

Fui casado com a Anna Muylaert, temos um filho juntos. Ela foi estudante de cinema na ECA nos anos 90 e eu conheci todos os diretores que passaram por ali, todo mundo. Fiz a trilha para todos os curtas daquela época. Os diretores cresceram, eu também cresci, e eles começaram a me chamar para fazer a trilha dos longas deles. Meu truque foi ser casado com uma cineasta no começo da carreira. Agora, o primeiro longa-metragem que tive a sorte de ter feito foi o Carlota Joaquina, em 1995, que foi o primeiro da retomada do cinema. De lá pra cá, já fiz 40 filmes, aqui e no exterior.

E para o seu trabalho tem diferença fazer aqui ou no exterior?

Tem diferença financeira, né? Se eu trabalhasse nos Estados Unidos, seria trilhonário, imagine, já fiz 40 longas. Mas aqui, muitos filmes eu tirei dinheiro do meu bolso porque queria trabalhar com orquestra, por exemplo. No Brasil, gasta-se muito mais dinheiro para filmar do que na pós-produção. Não tratam a pós-produção com carinho - talvez os produtores fiquem bravos comigo, mas é verdade.

Entre os seus 40 longas, há 'Carlota Joaquina', 'Durval Discos' e 'Carandiru', que são filmes muito diferentes entre si. Olhando para trás, você consegue ver alguma unidade entre essas trilhas, talvez uma marca?

Eu, André Abujamra, consigo. Precisa ver o que os outros percebem. Por exemplo, de Bicho de Sete Cabeças para Castelo Rá-Tim-Bum é uma diferença brutal, mas tem minha alminha lá. Basicamente, sou romanticão, gosto de trabalhar com orquestra e tal. Não é mesmo uma pergunta para eu responder, mas, particularmente gosto da diversidade. Gostei muito de fazer Achados e Perdidos, usei trompa, trombone, violino e cello. O seguinte, Querô, fiz com bateria, guitarra elétrica e baixo. Gosto de misturar, preciso me misturar. É isso que busco, não só com trilhas, mas no meu trabalho em geral.

Você está em cartaz no teatro também, em 'Cantadas', onde além de atuar e fazer a trilha, dá uma de bailarino ao lado da Denise Stoklos. Como está sendo?
Para o que me chamarem, eu faço. Se quiserem que eu seja ator, eu vou, até dançando estou. Sendo legal, artisticamente falando, eu faço. Me chamam de metido, mas ser artista no Brasil é complicado - bem, até ser pipoqueiro aqui é complicado. Eu faço tudo para o que me chamam porque tenho de sobreviver, tenho filhos de 28 casamentos nas costas. Daí, falam "ah, ele é multinão-sei-o-quê". Sou multinada, me chamam, eu vou lá e faço.

A melhor trilha é aquela que se funde organicamente com o filme e você nem percebe que ela estava ali ou é a que sai martelando na cabeça?
Se ela martelar na cabeça e o filme martelar junto, é o tesão dos tesões. Eu faço música e descobri que o silêncio no cinema é uma das coisas mais legais que existem. Edifício Master, por exemplo, não tem música, mas é muito musical. O silêncio, o barulho do elevador, tudo para mim é música.
Quando sai o disco novo, o 'Retransformafrikando'?
No mês que vem. É o meu segundo disco, fiz O Infinito de Pé em 2004. Fiz uma operação de redução do estômago, perdi 70 quilos. E foi mesmo um renascimento real, porque você quase morre. Fiz um disco que tem a ver com essa retransformação. Por isso, o nome é tão complicado, quer dizer que eu me retransformo e fico, não morro. É independente, vou vender debaixo do braço mesmo.

Vi que quase todo o disco já está na rede, você sempre esteve na rede, aliás. Como vê essa discussão sobre o direito autoral e pirataria?

Eu digo que essa coisa de direito autoral é complicada. Antigamente, um rei me chamava para fazer uma música, eu fazia, entregava e pronto. Ninguém mais falava sobre isso, e eu ia fazer outra. O que me enche o saco nessa coisa de direito autoral é que não tem jeito, acabou. As gravadoras ganham muito dinheiro em cima do artista, e mesmo quem vende milhões de cópias não ganha com o disco, ganha com o show. Eu sou contra pirataria, mas os caras vendem por R$ 25 um disco que deveria custar R$ 10. É inevitável que quem goste vá comprar o pirata por R$ 5. Essa coisa de direito autoral me incomoda muito. A molecada vem falar comigo "pô, a gente não tem espaço". Como não tem? Chama a sua tia e faz em cima do móvel da sua casa! Todo mundo que tem talento tem chance. Nunca tive gravadora, nunca ganhei dinheiro e estou sobrevivendo. Eu sobrevivi fazendo. Outro dia, comprei o DVD do Carlota Joaquina. Pra mim, é isso, fica para a eternidade, o meu tataraneto vai ficar sabendo o que eu fiz. Isso é importante. Agora, direito autoral? Manda ver, baixa tudo. Eu acho que deveria acabar o direito autoral, tudo deveria ser de todos.O artista que não acaba de criar, vai continuar criando. Eu bem que queria ganhar dinheiro com direito autoral, mas não vou perder o sono com isso.





A.O.

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